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O protocolo paradoxal da mãe cientista

 


Essa semana algumas mulheres se descobrem como mães, ou mesmo, desenvolverão novos protocolos para viver a maternidade. Não obstante essa semana é uma oportunidade para refletir os protocolos ultrapassados propostos às mães cientistas. Não é de hoje que constatamos o preconceito com as mulheres cientistas, ainda mais quando elas decidem conciliar com a maternidade. Sim, estamos no século XXI e esse preconceito está velado na cabeça de muitos pesquisadores. Mas afinal a maternidade reduz o poder cognitivo das mulheres?

A resposta da ciência é controversa e condicionada a diversos fatores. Segundo Henry e Sherwin (2012) a memória de trabalho é comprometida durante a gravidez e no período do pós-parto decorrente dos níveis hormonais (glicocorticóides e estrógeno). Já há quem defenda que o déficit cognitivo que acontece durante a gravidez pode ser similar ao do pós-parto (Anderson e Rutherford, 2012). Contudo, outros pesquisadores afirmam que em mulheres, entre 2 e 6 meses após o parto, as função executivas do cérebro como memória de trabalho e flexibilidade cognitiva estão elevadas quando comparada as mulheres que não são mães (Almanza-Sepulveda et al.,2018).

Em detrimento do exposto, cientificamente, fica evidente para mim duas coisas: Uma delas é a conclusão proposta por Paula Duarte-Guterman e colaboradores na Frontiers in Neurobiology em 2019 de que tanto a gravidez quanto a maternidade impactam a longo prazo a neuroplasticidade, a cognição e a maneira como o cérebro responde aos desafios, em virtude dos hormônios, dieta e estresse, ao longo da idade reprodutiva da mulher. E a segunda, de que essas mudanças neurofisiológicas não devem ser encaradas como incapacitantes intelectuais, mas como adaptações necessárias para cuidar de uma nova vida.

Por isso, é completamente paradoxal que aqueles que fazem ciência não façam uso das constatações científicas para acolher a maternidade das cientistas. Há diversos relatos na internet (Blog Cientistas Femininas) em que pesquisadoras-mães relatam situações vividas, como: rejeição e/ou exclusão em grupos de pesquisas por estarem grávidas ou já possuírem filhos; o rótulo de incapacidade para conciliar as duas coisas, e por isso, são obrigadas a escolher (cientista ou mãe?); incentivo a desistência dos projetos de pós-graduação (mestrado e doutorado) ou mesmo corte da bolsa de pesquisa sem respeitar o direito de prorrogação previsto na Lei nº 13.536/2017 (AQUI); baixa produtividade científica (papers, patentes, produtos e serviços) associada a maternidade. Apesar de alguns editais já respeitarem o período de licença-maternidade das pesquisadoras, a maioria não possui esse entendimento e como a produtividade é decisiva para conseguir o recurso e desenvolver a pesquisa, as mães-cientistas muitas vezes não conseguem atingir a pontuação para concorrer ao edital.

 Esse tema não pode, e não deve, ser silenciado, há iniciativas para discutir políticas e práticas de apoio às mães (e pais também!) e como incorporar ações ao ambiente de inserção dessa mãe. O Parent in Science é um grupo pioneiro formado por mães cientistas (e um pai!) que surgiu para discutir sobre a maternidade no contexto da ciência no Brasil. O grupo realiza seminários e palestras em diferentes cidades do país. Além disso, avaliaram as consequências da chegada dos filhos na carreira científica de mulheres, e homens, em períodos distintos da carreira acadêmica. O Parent in Science está organizando o III Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência, com tema “As interfaces entre Universidade e Sociedade”, para saber mais clica AQUI.

Por isso, se queremos criar um novo cenário de valorização da ciência não podemos permitir que ofereçam nas bancadas dos laboratórios um protocolo paradoxal para as mães cientistas. Assim, gostaria de encorajar as mães a compartilharem suas experiências com outras mulheres, a formarem redes de apoio como o Milk and Cookies, das americanas Liz e Whitney. Além de se conectarem pelas redes sociais, recomendo fortemente o perfil da professora e advogada Alianna Cardoso (@aliannacardoso), que faz parte da ONG 500 Mulheres Cientistas (@500wosbrasil). E assim como a pesquisadora argentina Paula de Tezanos que descobriu como aproveitar as duas paixões (maternidade e ciência) e compartilhou sua jornada na Science (AQUI) que você também faça a sua descoberta, e escreva a sua jornada. Feliz dia das mães!

 

Referências

Almanza-Sepulveda, M.L., Chico, E., Gonzalez, A., Hall, G.B., Steiner, M., Fleming, A.S., 2018. Executive function in teen and adult women: association with maternal status and early adversity. Dev. Psychobiol. https://doi.org/10.1002/dev.21766.

Anderson, M.V., Rutherford, M.D., 2012. Cognitive reorganization during pregnancy and the postpartum period: an evolutionary perspective. Evol. Psychol. 10, 659–687. https://doi.org/10.1177/147470491201000402.

Duarte-Guterman, P., Leuner, B. and Galea, L.A., 2019. The long and short term effects of motherhood on the brain. Frontiers in neuroendocrinology. https://doi.org/10.1016/j.yfrne.2019.02.004

Henry, J.F., Sherwin, B.B., 2012. Hormones and cognitive functioning during late pregnancy and postpartum: a longitudinal study. Behav. Neurosci. 126, 73–85. https:// doi.org/10.1037/a0025540

Comentários

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